quarta-feira

O Travesseiro



Estávamos nos preparando para ir a Angra dos Reis passar um fim-de-semana em casa de um amigo. E, claro!, Mira ia conosco. Mira é aquele tipo de pessoa que, quando sai para dormir fora, ainda que seja uma única noite, leva bagagem para um mês. Leva bagagem, não. Leva a casa nas costas. Leva copo, prato, talheres, guarda-chuva, os lençóis preferidos, roupas e calçados para as quatro estações do ano, o biscoito predileto, o pão de forma sem casca ("é que lá pode não ter!"), água mineral, travesseiro, e só não leva Chiquinha, a pequena poodle, porque, depois de enfrentar inúmeros episódios perfeitamente dispensáveis, a gente não deixa mais. Mas ela bem que tenta...

Bem, você já deve ter percebido que, por conta disso, a confusão sempre começa na hora de acomodar as malas nos carros. É uma briga danada! Sempre.
- Por que você traz tanta tralha, Mira? Você não vai usar um terço disso aí, - tem sempre alguém reclamando. E ela, irredutível, não desiste de nada. Quando o "comboio" finalmente sai a bagagem de Mira está dividida entre todos os carros, - todo mundo apertadinho mas feliz, porque levar Mira é diversão extra garantida.

São 7 horas da manhã quando saímos de Niterói. Como sempre, vamos parando pelo caminho. Pro xixi, prá gasolina, prá admirar a paisagem, pro almoço... Em algum momento, na estrada, Mira sente sono. Consegue encontrar e puxar o seu travesseirinho, (parece um travesseiro de criança!), e ajeitá-lo entre o rosto e o vidro da janela do carro prá tirar um cochilo. Umas dez paradas depois, já ao cair da tarde, finalmente chegamos a Angra. O dono da casa faz-nos entrar, sugerindo que tiremos as malas dos carros mais tarde, já que a espaçosa garagem é capaz de guardar todos eles. Idéia aceita, passamos a curtir sua linda casa, de vista paradisíaca.

Rimos, brincamos, jogamos sinuca, war, pingue-pongue. Bebemos, dançamos e, lá pelas tantas, alguém lembra que "é melhor descarregar os carros antes que todo mundo fique grogue..." É o que fazemos. Em seguida, saímos para jantar e dar uma volta pela cidade. Ao retornarmos, sentamo-nos todos ao chão conversando, contando piadas, lembrando as histórias que já tínhamos vivido com a Mira, enfim, rindo, rindo e rindo, - que não há nada mais gostoso para um grupo de amigos do que rir juntos. Mais tarde, sonolentos, um a um, tratamos de nos recolher para arrumar as camas e descansar. Mira é uma das últimas a se retirar.

Havia saído da sala não havia dez minutos e volta esbaforida:

- Vocês 'tão de sacanagem comigo. Cadê o meu travesseiro?

E como todo mundo jura que não sabe, começa a andar prá lá e prá cá a resmungar, como sempre faz quando fica nervosa. Resmungar em voz alta. Muito alta. Tão alta que, os que já haviam se recolhido para dormir estão, pouco a pouco, retornando a sala, fato que acaba por nos reunir novamente.

- Mira, você não está em sua casa. Reclama mais baixo, pô!

Mas ela já está desesperada. Lembro-me que a última vez em que pus os olhos em seu travesseiro foi dentro do carro, durante a viagem, quando dormitava com a cabeça sobre ele.

- Eu não sei dormir sem o meu travesseirinho. E agora? Como é que eu vou fazer?...

Em minutos todos estão envolvidos na busca ao travesseiro perdido. Procuramos nos carros, em todos os cômodos da casa, nas tralhas que Mira havia trazido, no jardim, na rua, - junto ao portão de entrada da casa... e nada!

Todo mundo cansado, morto de sono e, de repente, a Mira atravessa a sala para pedir um dos carros emprestado.

- Vai aonde a uma hora dessas?...
- Olha, eu pensei direitinho e acho que posso ter deixado o travesseiro cair no chão do posto de gasolina, na hora que eu saltei do carro prá fazer xixi. Vou dar um pulinho lá, prá ver se encontro o "bichinho".
- Brincadeirinha, né? Você não vai sair daqui prá ir a um posto de gasolina no meio da estrada e da madrugada, em busca de um travesseiro!?...
- Vou sim! Como é que eu vou dormir sem ele?...

Ninguém acha engraçado, porque quando a Mira diz que vai, vai mesmo. E, é claro, que não vamos deixá-la dirigir sozinha até um posto de gasolina, no meio da estrada Angra-Rio, naquela altura do campeonato. Fazer o quê?

Levamos cerca de 40 minutos para chegar ao tal posto.
O frentista parecia não acreditar no que estava ouvindo:
- O senhor sabe se alguém encontrou um travesseiro caído aqui pelo posto?...
- ... um travesseiro??? Sei, não! Mas a senhora pode ir até ali (e apontou para a loja de conveniências) e perguntar... Quando a gente encontra alguma coisa perdida por aqui, a gente entrega lá.

A Mira pro caixa da loja:
- O senhor sabe se alguém entregou um travesseiro aqui, hoje?
- ... travesseiro??? Travesseiro, não senhora.
- Mas não é possível!... Eu tenho quase certeza de que deixei o travesseiro cair no chão do posto, hoje à tarde...

E o caixa encerrando o papo:
- Olha, tudo que as pessoas perdem ou esquecem no posto é trazido para cá. Eu acho que a senhora não esqueceu aqui não...

Segue-se, então, uma das cenas mais insólitas já protagonizadas pela Mira. Ela saca da bolsa um bloquinho e anota os números do telefone de casa, do celular, do telefone da casa de nosso amigo em Angra, o endereço de sua própria casa e o e-mail. Depois destaca a folha, entrega-a ao caixa da loja, e pede, chorosa:

- Olha, se o senhor souber de alguma coisa, por favor, tente me avisar num desses números.

O homem olhava o papel sem acreditar no que via:
- Sim, senhora, pode deixar...

Voltamos para a casa e, exaustos, vamos, finalmente, dormir. Nosso anfitrião, ainda meio atordoado, oferece à Mira vários travesseiros para ver se ela identifica entre eles, algum que lembre o desaparecido. Mira recusa todos. Fica lá, de mau-humor, andando de um lado para o outro, e fazendo sabe-se-lá-mais-o-quê, porque tratamos todos de cair na cama para dormir o sono dos justos.

No final da manhã encontramos a Mira dormindo no sofá da sala. Sob a cabeça, seu insubstituível, tão amado e procuradíssimo travesseiro. Não conseguíamos imaginar de onde ele havia saído após toda aquela peregrinação...

Mira acorda faminta. Enquanto serve-se de café, satisfaz nossa curiosidade:
- O cara do posto ligou. O travesseiro, que deveria estar sob o balcão com os demais objetos perdidos, foi encontrado num outro cômodo da loja, que os funcionários usam como vestiário. Todo mundo já estava dormindo, chamei um taxi e fui até lá!
-?!...

Aaarrgh!!!

ju rigoni

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