terça-feira

Emoções na Areia...




O melhor das férias de Mira era aquela praia depois das três horas da tarde. Quilômetros e quilômetros de extensão, - areia limpa, água muito azul, refletindo um céu de brigadeiro riscado por gaivotas. Tudo só para ela e Chiquinha porque, à tardinha, a praia ficava totalmente deserta. "Este mar é meu", pensava.

Normalmente lia um pouco e depois deitava-se sob o guarda-sol, - único ponto multicor em toda a extensão de areia -, cobrindo o rosto com o livro. "Férias, que coisa boa! E nesse lugar abençoado pela natureza... Ah, que delícia! Que paz! Que tranquilid..."

Chiquinha começa a latir desesperadamente. Mira, ainda com o livro sobre o rosto, ouve passos que se aproximam.

- Chiquinha, olha a educação! Não foi assim que a mamãe te ensinou...

Os passos estão cada vez mais perto e Mira pensa que hoje a praia não vai ser só delas.

"Espera aí... Esses passos estão próximos demais!? Será que Roberta resolveu vir à praia?..."

Mira levanta o livro do rosto e o posiciona contra o sol para poder ver melhor as pessoas que estão ali, - bem mais perto do que desejaria. Levanta-se assustada, enquanto Chiquinha, histérica, continua a latir.

- Quetinha, moça, é um assalto!

Diante da arma, Mira, imediatamente ergue os braços.

- Ih! Baixa isso aê, mermã. Cê anda vendo muito filme na televisão...

Mira desce os braços.

- E pega esse filhote de rato branco no colo, pra vê se para de latir, senão eu piso nessa coisa.
- D-desculpe, s-sêo a-a-as-saltante.

Cabelos, joelhos, dedinhos do pé... até a alma treme quando Mira põe a agitada Chiquinha ao colo. Estende para um deles - eram dois! - a sacola de praia.

- Num quero isso não, moça. Quero o que tá dentro, tá ligado? E a jóia também, - aponta o cordão de ouro com medalhinha que ela traz ao pescoço, mas que não sai pela cabeça. Mira prende Chiquinha entre as pernas. Precisa das mãos livres para abrir o fecho.

- Anda logo, mermã! Nós num temo o dia todo não, reclama o outro marginal. Inda quero apertá mais unzinho...
- ...ó só, cara: se esse cachorro nun pará de lati eu vô dá um teco nele!
- C-cachorro n-não! É ela. U-m-ma me-menina. O no-nome é Ch-Chi-Chiquinha.

Os ladrões desatam a rir.

- Chiquinha ou Chicão, vai tomar uma azeitona no quengo se continuar a latir. Vai virar tapete, tá ligado?

Continuam rindo.

- To-toma! - Mira entrega finalmente o cordão e tenta acalmar a poodle.
- Ô-ô meu b-bijuzinho, f-fica qu-quietinha.

Os homens não param mais de rir.

- Viu só, cara? Bijuzinho... Essa mulé é uma peça!
- D-dá pr-pro se-senhor v-virar is-isso pr-pra lá? - Mira refere-se à arma apontada em sua direção.
- Num enrola não, maluquete! Tira logo o que tem aí nessa bolsa que já tamo demoranu muito...

Ela entrega o celular e o dinheiro que estavam na sacola.

- Agora, senta aí na areia com esse bicho chato que eu já tô ficanu nervoso, tá ligado?

O sujeito obriga Mira a fechar Chiquinha, que não para de latir, dentro da sacola de praia. Diante dessa violência, a gagueira de fundo nervoso desaparece, como por encanto, para defender a "filha".

- Não faça isso não, moço. A bichinha vai morrer aí dentro. Ela sofre de claustrofobia...
- Ói qui, moça, a senhora pode escolher: ô ela morre do teco que eu vô dá nela, ô ela morre dessa "caubia" aí, tá ligado?

Em seguida, ele rasga a kanga de praia ao meio com habilidade de quem já fez isso inúmeras vezes, amarra mãos e pés de Mira e dá um conselho:

- Tá choranu por que, mermã? Praia deserta é um negócio pirigoso mermo, viu? Inda mais com esse cachorro, que o que tem de pequeninim tem de chatim. Cê teve muita sorte. Se nós tivesse vindo cum meu primo, esse bicho já tinha virado cumida di urubu.

Mira estava iconsolável, preocupada com as "condições psíquicas" de Chiquinha presa dentro da sacola de praia. Assistia, impotente, os homens apertando um cigarro de maconha.

Tranquilos e rindo cada vez mais, acenderam e passaram a tragar com sofreguidão a erva, proseando com a respiração em suspenso, - uma conversa cada vez mais pausada. E rindo sempre. Rindo muito. O assunto "tão engraçado" que, combinado à canabis, afrouxava-lhes o riso, é claro, eram suas vítimas mais recentes. O mais alto apontava para a sacola onde Chiquinha, nervosa, mexia-se sem parar, dizendo:

- Tá viva! A bolsa tá viva! - e nova sessão de gargalhadas era iniciada.

Mira deu graças a Deus quando os dois, trôpegos e de olhos muito vermelhos, guardaram a guimba no compartimento de uma carteira e anunciaram a partida como se fossem velhos conhecidos.

- Aí moça, valeu! Tamo ino... Discurpa o mau jeito, mas sacumé... nóis temo que sobrevivê, tá ligado?
- Vambora, cara. Deixa de estorinha... - apressa o outro.

E lá se foram os meliantes, rindo muito e caminhando tranqüilamente pela areia alva e fofa, pisando em delicadas conchinhas que ainda hoje ela pensara em escolher para levar como lembrança.

Mira esperou um pouco, até que estivessem bem longe, para então se arrastar até a sacola e, - experiência difícil com os punhos amarrados -, tentar desatar o nó da alça para livrar Chiquinha.

Descia sobre o mar um sol imponente, - vermelho e lindo! -, quando Roberta e os amigos, preocupados com a demora, acabaram encontrarando e libertando a chorosa Mira e sua estressada e trêmula poodle.

ju rigoni

Foto: Mell

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4 comentários:

angela disse...

Ótimo conto, de tirar o fôlego e deixar com uma raiva...
beijos

Scritta disse...

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Rodrigo Rocha disse...

Ju rigoni passei para conhecer seu blog ele é muito maneiro com excelente conteúdo você fez um ótimo trabalho desejo muito sucesso em sua caminhada e objetivo no seu Hiper blog e que DEUS ilumine seus caminhos e da sua família
Um grande abraço e tudo de bom

Sinho Livre disse...

quincasborba75@gmail.com