sábado

Muito Além da Imaginação...



Eugênio era um sujeito estranho. Sobre ele havia muitas histórias. Uma delas dava conta de suas incursões pelo mundo dos espíritos.

Diziam que ele via espíritos em todo lugar. Que era impossível ter um único contato com o rapaz sem que se experimentasse essa sua, digamos assim, qualidade.

Mira sempre ouviu tudo fazendo um desconto em favor de Eugênio. Apesar de excessivamente medrosa, ela sabia que a imaginação popular tem uma certa tendência a aumentar tudo o que vê e ouve na hora de reproduzir. Até um dia...

Eugênio era seu vizinho. Morava três andares abaixo do apartamento dela. Nunca haviam conversado. Sua convivência nunca passou do "bom dia", "boa tarde", "boa noite", quando esbarravam-se em alguma dependência do prédio.

Certa noite ela estava parada em frente à porta do elevador. Eugênio chegou e a cumprimentou muito gentilmente, como sempre fazia. Quando a caixa metálica finalmente chegou, o rapaz abriu a porta e deu um passo para trás segurando-a. "Pelo menos é educado", Mira pensou, e fez menção de mover-se para entrar no elevador cuja porta ele tão atenciosamente retinha. Mal deu o primeiro passo, sentiu que algo a segurava pela cintura. Era o outro braço de Eugênio. Ficou assustada. Ele a imobilizara de tal forma que, por mais que fizesse, não conseguia sair do lugar. Eugênio pareceu adivinhar a confusão que se formava em sua mente e anunciou:

- Assim que todos tiverem saído, a gente entra.

Mira com toda certeza perdeu a cor.

- Todos? Ó xente, mas só estamos eu e você aqui!...

Eugênio riu um risinho estranho e ela, ainda confusa e finalmente livre, entrou no elevador, - o coração em disparada. Apertou o botão do 11º andar. Eugênio entrou logo em seguida, pressionou o botão do oitavo andar e ficaram parados, um ao lado do outro, aguardando que a porta do elevador finalmente se fechasse. Não foi o que aconteceu. Alguém, para alegria de Mira, que não estava se sentindo segura sozinha com o tal Eugênio, segurou a porta e a abriu. Era uma mulher bonita, morena, traços delicados... Voz suave, desejou uma "boa noite" a Mira e Eugênio, pressionou o botão do décimo-segundo andar e lá foram eles, subindo, subindo... - o Eugênio com um risinho esquisito nos lábios.

No oitavo andar, depois de um rápido "até logo!", Mira ficou definitivamente livre da presença de Eugênio. A mulher, talvez para puxar conversa, perguntou-lhe se o conhecia há muito tempo.

- Esse cabra é doido! Dizem que vê espíritos em todo lugar...
- É mesmo? Que interessante! E você não acredita?
- Eu e quase todo mundo aqui do prédio. Acho que ele tem é um côco no lugar do cérebro...

A desconhecida riu um sorriso muito parecido com o de Eugênio. Mira achou prudente manter-se calada. Mas a mulher mantinha um ar divertido. E aquele risinho com jeito de escárnio parecia não desistir de seus lábios.

Finalmente, o 11º andar.

- Este é o meu, disse a Mira, deu as costas à mulher e foi empurrando a porta para sair.

Já ensaiava um "boa noite" como despedida quando virou-se para fechar a porta do elevador e... Cadê ela?... A mulher não estava mais lá!...

Seus joelhos tremiam e os pés não saiam do lugar. Ela queria gritar, mas parecia impossível. Era como se voz não tivesse. Depois de algum tempo conseguiu chegar até a porta do seu apartamento, e esqueceu o dedo na campainha. Beta abriu:

- Que foi? Surtou outra vez, foi?

Mas ela só conseguia dizer:

- Tinha uma mulher lá, Beta. Eu juro que tinha... Juro!

Para tentar dormir, Mira aboletou-se na cama de Beta que, é claro, passou a noite acordada com a irmã grudada em seu corpo. Durante a madrugada, qualquer barulhinho merecia um grito apavorado de Mira, - uma buzina, uma freiada, um vizinho em crise de tosse, uma descarga de banheiro, - qualquer som era motivo de medo. Não houve lexotan que colocasse Mira em off. No dia seguinte, Beta levantou-se decidida a levar Mira a um analista.

- Eu não quero um analista, Beta. Eu quero é me mudar! Não moro mais neste prédio, e ponto final. Liga pra Ju e diz que eu vou passar uns dias lá na casa dela.

Verdade ou imaginação da Mira, ninguém sabe. Tudo que eu sei é que para sair do prédio naquela manhã Beta teve que funcionar como guia. Mira entrou, desceu e saiu do elevador de olhos fechados, as mãos crispadas no braço da irmã, que ia cumprimentando os vizinhos ao longo do caminho justificando a atitude de Mira com a história de uma conjuntivite muito forte.

E não houve jeito mesmo. Beta passou um bom tempo procurando um novo apartamento para as duas. O único modo de garantir que Mira voltasse para casa.

ju rigoni


Amigo(a) Leitor(a):

Minha poesia está sob o olhar de Eliane F. C. Lima, do Literatura em Vida 2. Convido você a clicar num dos linques para conhecer o blogue, ler o post e, se desejar, deixar lá o seu comentário. Obrigada! Bjs e inté!



Um comentário:

angela disse...

Conto gostoso e bem humorado.
beijos