sábado

Nunca aos Domingos...




Mira e Chiquinha, sua poodle, estão de volta do passeio matinal. Entra no prédio onde mora com a irmã, cumprimenta o porteiro e o zelador, e aperta o botão para chamar o elevador. Olha ao redor e pensa que só mesmo um domingo para usufruir dessa tranquilidade, desse silêncio... Durante a semana é um verdadeiro entra-e-sai nos elevadores, - o som da campainha dos interfones deixando sêo Severino, o porteiro, completamente enlouquecido. Sem falar no zum-zum das crianças, andando de bicicleta pelo condomínio, brincando, pulando, gritando e, às vezes, saindo até no tapa.

Mira entra com Chiquinha no elevador e aperta o botão do décimo-primeiro andar.

1º, 2º, 3º...

Mira está pensando em como vai ser bom refrescar-se sob o chuveiro. "Eita, calor da mulesta!" Chiquinha, como de hábito, está fuçando tudo, tentando quem sabe, identificar o cheiro do Ed Mota, - o macho cor de mel do 602, por quem ela anda apaixonada.

4º, 5º... VVRRRRRRRRRUMMM!!!

Num tranco assustador, o elevador trava entre o quinto e o sexto andar. Mira mete o dedo no botão de alarme. Chiquinha se assusta e começa a latir.

- Calma, meu bijuzinho Já-já o sêo Zé vem tirar a gente daqui...

Realmente, em alguns minutos Mira ouve a voz do zelador.

- Tem alguém aí?...
- É claro né, sêo Zé! Esse alarme ainda não toca sozinho...
- É a senhora, dona Mira?
- Não, sêo Zé. É a sua mãe!
- O quê que a senhora qué, dona Mira?
- Que pergunta! Quero sair daqui imediatamente.
- E como é que eu vou tirar a senhora daí? Num sei como se faz isso, não senhora...
- Então, chama o sêo Severino...
- Ele também num sabe, não...
- Santa incompetência! Um zelador, um porteiro, e é como se ninguém houvesse... Então, mexa-se! O senhor não tá pensando que eu e a Chiquinha vamos passar o resto dos nossos dias aqui dentro, né? Vai lá no apartamento do síndico. Pede prá ele vir rapidinho.

- Tá! Tô ino...

Chiquinha continua a latir. Mira já está andando de um lado para o outro, sacudindo os braços como faz sempre que fica nervosa. "Ô meu Deus, bem que a Beta diz pra eu não sair de casa sem o celular... Sêo Zé é uma toupeira. Só quero saber quando é que a gente vai conseguir sair deste elevador..."

Nem bem terminara o pensamento e ouve novamente a voz do zelador.

- Dona Mira?
- Que foi, sêo Zé? Já vão nos tirar daqui?
- O síndico num tá em casa não, dona Mira.
- Ai, meu jesus cristinho! Faça alguma coisa, sêo Zé! Será possível que o senhor não tenha a menor idéia de como nos livrar desta situação?!
- Sei não, dona Mira.
- Pode ser que a Beta já tenha chegado em casa. Vá até lá e peça pra ela vir aqui.
- Beta? Que Beta, dona Mira?
- Putz! A Roberta, minha irmã, sêo Zé!
- Ah, a dona Roberta!
- E não demora não, sêo Zé. A Chiquinha já tá surtando aqui dentro. Ela sofre de claustrofobia...
- Caus... o quê, dona Mira?
- Ah, deixa prá lá! Vá buscar a Beta.
- Beta???
- A MINHA IRMÃ, SÊO ZÉ!!!
- Ah, é... A dona Roberta. Tô ino...

Chiquinha cansou de latir e agora está meio jururu, encolhidinha num dos cantos do elevador.

- Que foi, meu bijuzinho? Tá tristinha, tá? Fica calminha que a titia já tá vindo aí pra libertar a gente.

Uma criança no andar imediatamente acima de onde o elevador encalhou percebe o movimento.

- Tem alguém preso aí?

Mira reconhece a voz.

- Marquinhos?...
- Tia Mira? É a senhora?...
- Ô meu rei! Sou eu, sim. Sua mãe está em casa?
- Tá não, tia Mira. Mamãe saiu.
- Marquinhos, por favor, dá um pulinho lá em casa e pede a Beta prá vir até aqui. Eu pedi ao sêo Zé pra fazer isso, mas ele foi e ficou.
- Pode deixar, tia Mira. Eu vou buscar a tia Beta.
- Vapt-vupt, hein Marquinhos? Que eu já não estou aguentando mais...
- Tá legal! Vou lá...

Enquanto espera, Mira pensa que nunca mais sai de casa aos domingos. "Diacho! Parece até que o prédio foi evacuado. Eu, Chiquinha, uma criança, Sêo Severino e... Sêo Zé. Eu mereço!"

- Dona Mira?...
- Cadê a Beta, sêo Zé?
- Que Beta???

Mira ia desabafar num palavrão quando ouve a voz de Marquinhos.

- Tia Roberta não está lá, não!

- Marquinhos, vai até a sua casa e liga para o corpo de bombeiros. Explica que tem duas pessoas presas no elevador e que uma delas tem fobia a ambientes fechados; que o síndico não está no prédio, e o zelador, além de ter medo de entrar no elevador, não sabe como fazer para nos tirar daqui e...
- Nooossa, tia Mira! Eu tenho que dizer isso tudo mesmo?...
- Arre! Não, não, Marquinhos. É que eu estou nervosa. Só diz que tem duas pessoas presas no elevador, e prá eles virem bem rápido.
- Ih! Eu pensei que só a senhora e a Chiquinha estivessem aí. Tem outra pessoa, é?...
- Ah, Marquinhos, esquece isto! Vai lá ligar. Rápido, hein...
- Já vou!

Nem bem Marquinhos sai, Mira ouve novamente a voz do zelador.

- Dona Mira?...
- Diga, sêo Zé?
- A senhora não vai dar queixa de mim para o síndico não, né? Ele me manda embora daqui com a minha família...
- Não vou dar não. Mas deveria. O senhor tem que me prometer que vai parar com esse medo bôbo de elevador. E vai também procurar saber que providências tomar caso alguém venha a ficar preso aqui novamente.
- Tá, eu prometo, dona Mira.
- Então ficamos combinados assim. Agora, vai lá prá baixo e avisa ao sêo Severino prá trazer os bombeiros aqui assim que chegarem.
- Brigado, dona Mira!
- Vai, vai sêo Zé! Vai, que daqui a pouco eles estão chegando aí.
- Tá! To ino...

Roberta levou um susto ao dobrar a esquina da Otávio Carneiro com Tavares de Macedo e deparar-se com o carro do corpo de bombeiros parado em frente ao seu prédio. Os curiosos espremiam-se junto a grade que separava jardins e calçada da rua. Roberta apertou o passo, - o coração aos pulos. Encontrou sêo Zé e sêo Severino na portaria.

- Meu Deus, o que houve?
- Foi a dona Mira que...
- ... a Mira tá bem? Ela botou fogo no apartamento, foi?...
- Não, dona Roberta! Ela tá presa no elevador.

Roberta respirou aliviada. Sendo a Mira quem é, ficar presa no elevador é o menor dos problemas... é uma bênção dos céus...

ju rigoni


Foto obtida AQUI.

Visite também Fundo de Mim (no wp), Fundo de Mim II e Dormentes.

Um comentário:

Anônimo disse...

Como sempre, um texto engraçado e muito gostos de se ler.
Manoel Carlos